segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Ah



Ah, quem me dera ser tua droga
Invadir o teu sangue
Entulhar as tuas veias
Te matar sem demora.

Ah, quem me dera ser tua loucura
As meias sujas
Aceitar tuas desventuras
Criar uma mistura.

Ah, quem me dera ser 
Pra quê?
Doidice sou eu
Por não ter e querer.


sexta-feira, 3 de maio de 2013

O cervo



Retirai-vos do amor, para que não sejais ferido e morra. Daí não comerás nenhuma carne, terás cuidado  ao andar com todo o teu coração. Também ferirás os moralistas, desvirtuadores das leis. E eu te tenho levantado uma casa para morar e um lugar para o teu declínio. Mas verdadeiramente estarás livre de todo o amor na terra? Pois já as tuas chagas cheiram mal e não há coisa sã em tua carne. Descontrolas o ventre da vida, incendeias a minha preguiça. Por que está abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Por que te fartas em proporção dos teus ciúmes? Quem é comigo, para que entendas essas coisas? Mas, decerto, eu sou cheio de juízo e de ânimo, para entregar-me ao mais ríspido e lastimável amor. E os videntes se envergonharão, os lançarei fora de minha casa. Quanto a quem amo, a sua glória, como barro nas mãos do oleiro, não haverá mantimento, ausência, nem tampouco concepção. 

quarta-feira, 24 de abril de 2013

O Zelo


E apedrejava com pedras aquele amor que lhe tirava a cabeça. E se ele retirava-se para alguma cidade, todo o encanto traria antipatia àquela cidade. E vinham de todos os povos a ouvir a sabedoria dos amores fatídicos, porque tinham um grande sacrifício. E os dias em que reinavam a bonança e o verão, reinventavam-se os holocaustos, manjares; perdições divinas. Porque se aquele menino nada sabia do amor, conhecia bem o seu tempo determinado. 

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Grande coisa


Eu faço grandes coisas. Seco a vida, murcho a figueira, desmancho a flor. Quem sabe se o amor voltará, e se arrependerá, e fará com o que todos regojizem-se no mais puro linho de seda? Quem sabe se o coração valerá mais do que nossas vestes, e santificará o mantimento diante de nossos olhos? Eu sou uma grande coisa. Ah! Grande coisa! Porque eu sou um bezerro domado, gosto de trilhar. Eu tenho grandes coisas. Gosto dos homens mais velhos, dos tímidos e incrédulos ao falarem de amor. Por que disputais comigo? Eu sou o vinho que te excita, o cigarro que te põe enfermo, a romagem dos teus alucinógenos. Sou tua demência. Quanto a mim, tu me sustentas no meu atrevimento e me puseste diante da euforia para sempre.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Herança


Porque em todas as palavras de amor há enfado, em lugar de cheiro suave. O coração tropeça, levanta-se pela manhã e segue a bebedice. E alegro-me por causa dele, porei o meu temor nos corações dos homens avacalhados. E, recebendo eu amores, murmurarei contra os céus, fazendo injustiça, comendo a carne dos santos. E aquele que jurar por amor, isso nada é, mas aquele que jurar pela carne, dará de comer aos seus caprichos. Depois, em casa, conseguirás amar por inteiro, quando por volta das doze, tuas mãos estiverem trabalhando, para que a vida escorra entre tuas pernas. E, tomando-a nos teus braços, a açoitará, cuspirá e matará. Esta é a herança dos que dormem ao invés de amar.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Quando fores dormir


Quando fores dormir, lembra-te dos dias em que te segurei. E amanhã terás pão e água, herdarás a palavra, atenta para os teus passos. Lembra-te dos beijos que cresceram em entendimento, pequenos e desprezados, mas livres e puros dos corações impiedosos. Os teus berros, as tuas astúcias, acima de todas as perturbações. Lembra-te do meu aniversário, das lembranças abreviadas. Digo, porém, os afastamentos, não os teus, mas os dos outros. Lembra-te também das muriçocas sendo de novo geradas, debaixo das cobertas, pelo ciúme que se estende entre um gole de café e um maço de cigarro. Mas quero lembrar-te, como a quem já uma vez lembrei, que, ao amar-te, estarei passeando no inverno, para que me acompanheis aonde quer que eu for.

domingo, 10 de março de 2013

Bike - O Conto


I

E lá vinha ele outra vez, montado numa bicicleta. Ela já o esperava: olhava-o fixamente da janela, sem nem por um minuto desviar o olhar; saberia dizer se aquele dia seria agitado. Os dois pareciam estar conectados com a noite. Ambos os olhos arderam, quando o véu da noite rasgou o clarão das estrelas, junto com a lua e todos os astros que orbitaram a favor de mais uma eventualidade. E um simples aceno a fez mulher. O coração saltitando. O suor. A tremedeira nas pernas. O seu amado a esperava lá embaixo, com o que mais tinha de valioso: uma bicicleta. Nada de jantar, só um passeio de bicicleta. Talvez o bilhete para o desconhecido. Talvez não. Era só um passeio de bicicleta.

A noite muito fria e suculenta, o vento parecia estar embalando mais um caso de amor. Contudo, a menina não hesitou. Vestiu-se de pano de saco, com sua boina amassada, empoeirada por viver despreocupada, jogada em algum gaveteiro velho; e desceu as escadas, ao encontro de seu jovem rapaz. Um jovem forte, que a alimentava de palavras nesses dois anos de pura adrenalina.

Com um sorriso malicioso, ele pôs a bicicleta no chão e a abraçou. Nossa, que espetáculo! Um abraço no meio da noite, numa rua despovoada. Encostou seus dedos em sua nuca, ela o fez de despercebido. Depois, as línguas encontraram-se nervosas, doidas para uma troca de salivas. E o rapaz, com dedos largos e muito brancos, acariciou o doce rosto da menina, que agora permanecera de pé, pronta para o passeio.

Luzes. Multidões. Agitação. Correria. Isolação. As mãos dadas protegiam qualquer movimento extravagante. Os dois não se importavam, estavam suando. E o contraste de seus olhos era o portal para os sentimentos mais desconhecidos deste mundo. Porque os olhos conversam.

A bicicleta, a peça fundamental para o rodeio. O rapaz foi gentil, carregou a moça. Agora força nos pés. Enquanto os céus se abriam, mais um beijo era correspondido. Logo logo estariam na casa de seus avós.

E foram-se a passear pela noite. As cores já estavam por vir.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Quando


Quando eu lhe esquecer, espero que me entenda. E, saudando-nos uns aos outros, espero que vá em paz. Não me prenda. Levantai os olhos para os céus, nossas dores andam desgarradas; cada um se desviará pelo seu caminho. Já não compro cigarros, coisa espantosa para o meu corpo. Troquei de amigos, conheci outras drogas; preparei a guerra comigo mesmo. Sei bem quem sou. Mas não me dou ouvidos. Sou o mais rebelde, ando murmurando. Não cuspo no prato que como, o enfio goela abaixo. Quando estivermos longe, dará à teu coração um macho ajuizado, que compre mais do que ame, que coma mais do que sinta. Meu bem, querido da mamãe, não sabes que o amor não sobrevive quando a carne apodrece? Assim, se cumpriram todas as coisas. Perversidade há em meu coração. São todas as palavras da minha boca. Agora vá, longe de mim. Procura um condenado.