E lá vinha ele outra vez, montado numa bicicleta. Ela já o esperava: olhava-o fixamente da janela, sem nem por um minuto desviar o olhar; saberia dizer se aquele dia seria agitado. Os dois pareciam estar conectados com a noite. Ambos os olhos arderam, quando o véu da noite rasgou o clarão das estrelas, junto com a lua e todos os astros que orbitaram a favor de mais uma eventualidade. E um simples aceno a fez mulher. O coração saltitando. O suor. A tremedeira nas pernas. O seu amado a esperava lá embaixo, com o que mais tinha de valioso: uma bicicleta. Nada de jantar, só um passeio de bicicleta. Talvez o bilhete para o desconhecido. Talvez não. Era só um passeio de bicicleta.
A noite muito fria e suculenta, o vento parecia estar embalando mais um caso de amor. Contudo, a menina não hesitou. Vestiu-se de pano de saco, com sua boina amassada, empoeirada por viver despreocupada, jogada em algum gaveteiro velho; e desceu as escadas, ao encontro de seu jovem rapaz. Um jovem forte, que a alimentava de palavras nesses dois anos de pura adrenalina.
Com um sorriso malicioso, ele pôs a bicicleta no chão e a abraçou. Nossa, que espetáculo! Um abraço no meio da noite, numa rua despovoada. Encostou seus dedos em sua nuca, ela o fez de despercebido. Depois, as línguas encontraram-se nervosas, doidas para uma troca de salivas. E o rapaz, com dedos largos e muito brancos, acariciou o doce rosto da menina, que agora permanecera de pé, pronta para o passeio.
Luzes. Multidões. Agitação. Correria. Isolação. As mãos dadas protegiam qualquer movimento extravagante. Os dois não se importavam, estavam suando. E o contraste de seus olhos era o portal para os sentimentos mais desconhecidos deste mundo. Porque os olhos conversam.
A bicicleta, a peça fundamental para o rodeio. O rapaz foi gentil, carregou a moça. Agora força nos pés. Enquanto os céus se abriam, mais um beijo era correspondido. Logo logo estariam na casa de seus avós.
E foram-se a passear pela noite. As cores já estavam por vir.