sábado, 31 de dezembro de 2011

Dose


E todas aquelas camisinhas empacotadas na gaveta foram pensando nas noites de amor que passaríamos juntos. Uma por uma, eu juntei; eu acabei juntando coisa demais. Depois joguei fora, as camisinhas e a claridade do nosso quarto. Ficava pensando em um bom amor depois da cerveja, depois do fumo; depois daquela velha lombra. Eu tinha amor guardado até na cueca. Você foi embora e ainda levou uns cigarros meus... Eu, eu que queria tanto me suicidar contigo.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

É tudo programado



Amar é feio, muito feio; deforma o corpo e corrói a alma. Depois que você ama, você já não lava os cabelos ou passa um pano molhado na casa. Depois que você ama, você assiste TV no volume doze. Depois que você ama, você se enche de amigos, de cigarros, de meiguice. Mas, eu fico com água na boca quando me falam de amor... Quando dizem que estão bem, estão bem mesmo ou é alguma astúcia amorosa?

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Por você


Por você eu largaria a maconha, o cigarro, a cerveja. Por você eu mandaria fechar todos os barzinhos, os botecos, as avenidas. Esqueceria os maus gostos, as amizades de infância; o mundo. Assistiria a uma partida de futebol, é a cultura dos homens. Por você não haveria orgulho, estaria atento às coisas de Deus, passaria mais tempo em uma igreja do que em casa, contemplaria todas as coisas que foram feitas para nós. Perderia o meu medo do escuro, o suspense de amar. Por você eu amaria, sim. Amaria até ficar seco. E só por você, os outros não me chamam atenção. Mas, eu já falei tanto com Deus sobre nós, Ele parece não responder e, se responde, eu não entendo. Agora diga que amaria esse pobre miserável, esse cara que vive entupindo o peito de amor. Não! Não diga que amaria, diga que ama.

Para Viviane Carvalho,
com amor, trufas e poesia.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Peru e cerveja


Eu bebo para conturbar o amor
Em cada gole, em cada sopro
Em cada esquina

Iludo as estrelas, disfarço o luar:
Um desgasto das mais claras inteligências 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Paz



Ao invés de discutirmos assuntos imprevisíveis, deveríamos dar uma trégua nas nossas crenças. Dias atrás, eu li um texto de um senhor chamado Leonardo Boff. O sujeito me entupiu de expectativas, mas ao longo do texto, ausentaram-se. Sou teimoso e não sei viver com tanta quietude, eu ando construindo algumas idealizações. Resta saber se quero abdicar de minha ignorância, eu sou um cidadão que cultua conflitos. E também já estou ficando velho e não tirei proveito de muita coisa, só fiz guerra ao amor. Enquanto houver gente ignorante, Deus vai tá tomando um ventinho na varanda... 

sábado, 17 de dezembro de 2011

Decadência


Sou doido pra te encontrar por aí, sou doido pra lamber a tua boca... E passar os dentes na tua carne, encostar o ombro na tua pança. Quero ficar contigo até o último barzinho fechar, até as estrelas esbarrarem na Terra; quero estar fora dos teus sonhos. Quando me perguntarem o que estou sentindo, eu direi que é só uma leve sensação, mais um enjoo sentimental. Um amor por um amor não vale nada, tem que ser dois amores dentro de um só: tem que ser nós. A dúvida é sua, a carga que é minha. 




A 1 km da costa do inferno


Era uma estrada longa, muito longa. O clima estava afável, por incrível que pareça, não fazia calor nem frio. Não ventava naquele lugar, nenhuma folhinha tinha o direito de cair daquela árvore. Não era árvore frutífera, era árvore seca. Tudo era seco e cinza. Eu nem estava reclamando de nada, eu estava quase sonhando. E, quando me virei, eu vi uma fronteira: uma grande fronteira sustentada por dois pés, dois pés de homem. E lá ia o povo correndo, o povo tinha pressa. Eram passos acelerados. Depois, um portão: um portão de ferro. Um portão do tamanho de vinte e sete homens; era um portão. Esperava pacientemente alguém para me atender, estávamos todos atordoados e intrigados com os nossos sonhos. Os sonhos estavam de viagem. O portão se abriu, era um abismo: um grande abismo ofuscado, não tinha fim. Foi descendo um por um, depois dois por dois, dez por dez, cem por cem, quinhentos por quinhentos... Foi descendo todo mundo. Ninguém dizia uma palavra, eram todos mudos. A dor é para todo o sempre, vai ficar impregnada para sempre aqui, conosco. Depois a gente chora, depois a gente berra, depois a gente se arrepende. Enquanto os pedaços do meu corpo estavam na grelha, o meu coração não fazia mais parte de mim, ele tinha saído. O meu coração foi covarde, fugiu para não queimar comigo. Esse sim sempre foi esperto... Deus, logo mais me viu, não disse nada. Aquele clima afável tornou-se um clima de constante imprevisibilidade. E todos estavam em uma dança só: a dança das almas esbraseadas. Logo mais, teremos pedaços de carne espalhados pelos cantos, logo mais a gente passa a ser homem de novo. O amor tem nada a ver com isso.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Coisas de Deus


Nós, que somos errantes, temos uma mania danada de distorcer as coisas de Deus. Recebi uma carta ontem, Ele me disse que estava voltando. Ele tem pressa.



A soma


Dizem que tenho demônios dentro de mim... Fui atrás de um exorcista, nenhum homem de fé soube me dizer o que eu sentia. Também dizem que sou mal, Deus do céu! Eu só não consigo interpretar bem as coisas, sou estúpido. E ainda dizem que sou mal-amado também, mas só me amam por obrigação. Já guardei tanto amor no bolso, meu quarto tá uma desordem, tá faltando alguém. Roubaram minhas luzinhas de Natal...




terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Somos casais


Eu causo tanto desgosto, eu e meus vícios amorosos, eu e minhas paixões exorbitantes. Quase não tremo por amor, quase não choro por amor. O amor me vem nos fins de semana; quando os meus cigarros estão sob a mesa; quando o chão da sala vira plantação de fumo. Invejo que ama, quem tem flor no vaso todo dia; quem cuida verdadeiramente do coração; quem lava, passa, cozinha, quem ainda tem o resto da tarde pra fazer amor. Não conto os dias nem as horas, eu espero. Eu espero mais ansioso, eu espero mais faminto. Lá no fundo, no fundo mesmo, eu sou muito desconfiado, sou cabeça dura para acreditar em coisas benéficas do fundo do coração. Eu espanto qualquer um que me traga um gole de amor ao invés de cachaça. Não imagino que Deus possa ter criado tanto amor assim, eu ando vazio. Espero não morrer seco. E, não precisa sentir pena de mim, meu caro. É cada amor com seu tempo, cada mágoa, cada desesperança, cada ciúme com seu tempo; cada aborrecimento tem seu tempo. Agora irei dormir, tá um friozinho danado, preciso me agasalhar sozinho. Onde estão os meus cobertores? Visto a calça, as meias, a camisa, as luvinhas, o gorrinho. Calço as pantufinhas e deito-me em uma cama de casal. Somos casais: eu e aquele mesmo vácuo; aquele mesmo desterro. Então, cubro-me de lençóis, faço amor comigo mesmo, não tenho ninguém.

Flores


São flores, não o universo. Essas vão murchar também, não terei água o suficiente. Aqui não entra ar, não tenho luz, e nem pago minhas contas. Não levo jeito com flores, morrem desesperadamente. Prometo que ficarão aqui por um ou dois dias, depois jogo tudo fora. Não me venha com esse papo de que é um gesto bonito de amor, flores são interesses. Por favor, flores só me trazem desgraças.



segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Bobagem


Alguma delas aí já te falou de amor? De como é bom amar, dormir depois da janta? Arrisco. Improviso. Eu não resisto a amores endiabrados, sobrecarregados de entulhos. Os teus amigos estão só de passagem, eles não precisam saber de nós. Te aguardo em um vasinho de flores, te beijo em um dia de neve, te esquento quando estiverem te dando o maior gelo; te faço palavras. Te dou amor até debaixo de raios e trovões, com ou sem cerveja. Te levo pro escuro, te solto no mato. Sempre quis entrar no teu carro; cruzar a tua estrada, ficar de olho nos teus pés.



sábado, 10 de dezembro de 2011

Um beijo


Queria um beijo
Um daqueles que deixa o gosto de docinhos da venda;
Um beijo seco
Daqueles que se cria por detrás das cortinas;
Um beijo acebolado
Beijo de entranhas; beijo de língua
Saliva esquentada,
Abocanho o teu ombro; teu peito de macho
Depois de um cigarro, os dedos se encobrem nos teus pelos
E um beijo põe pra fora os teus agouros
Um beijo sem máfia;
Um beijo de flor.



segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Introdução


Te amo nos dias de caça, nos dias de pico, naquele friozinho danado. Te amo quando sento-me em um bar e vejo gente desconhecida, gente bêbada. Não dói te amar, não causa espanto. Amar-te é idealizar-se. E, se por qualquer outro dia, a gente se olhar de novo, creio que, quando eu estiver caducando, irei a um oftalmologista. Então, ele vai dizer o que todos os outros já me disseram: "Essa sua cegueira é por falta de amor". Mas meus exames cardiológicos estão normais.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Entendimento


Deus conversa comigo e não entendo. Deus sussurra e ainda não ouço, Deus me guia e ainda estou cego. Largaria os amigos e as bebedeiras, acreditaria um pouquinho mais no que não se vê. Não rejeitaria sequer um sorriso, não execraria o amor. Deus ainda insiste, Deus é tolerante, não sei até quando. Pra ser sincero, Deus ainda me ama. Amor genuíno, sem malícia. Amor total. E Deus ama, Deus perdoa, Deus ama, Deus perdoa, Deus ama, Deus perdoa, Deus ama, Deus perdoa, Deus perdoa, Deus perdoa... Deus cansa. Deus não costuma ser nós, o que nos interessa são só os prazeres materiais. Deus não é palhaço, Deus não é besta. Deus é um espertalhão, conhece o que tu não conheces, sonda o teu juízo. E, clamo por um aconchego, não desista de mim só porque sou um imbecil, um miserável; outro pecador. Eu, às vezes tento Te entender, mas acabo gerando um choque de ideias. Se já não for tarde, peço que apareça por aqui, estarei Te esperando nos mesmos muquifos de sempre. Você gosta de chá? Te faço um chazinho quente e alguns juramentos. Quero entendimento, quero fazer as pazes. Somos amigos, eu sei.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Luz


Me pega no colo, me põe pra dormir. Apaga a luz. É no escuro que dois corpos se confundem, é no escuro que as mãos se cruzam; anima-se o amor, anima-se o fervor. Porque o meu coração está entupido de miradas; já não suporto teus olhares, já não me entram os teus sabores. Não estou querendo falar de amor, não agora. O amor vem por último; o amor me roga pragas. Eu te quero entre as coisas insuportáveis; eu te quero sem os olhos, eu te quero em brasa viva, eu te quero até no inferno. Não me desgasto ao te querer; não sou dono de tanta pieguice. Eu sou fraco. Qualquer dia desses, tomaremos um porre juntos, fumaremos, indagaremos qualquer idealidade; fugiremos nus; e bêbados, sóbrios de tesão. E, no outro olhar, farei de ti um sujeito cismado; herdarei de ti os teus prazeres carnais. Porque os que se dizem ser machos são maricas quando as luzes se apagam.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Água gelada



É mais um desses invernos calorosos
Outro cara, outro cara que morre

É mais um porre de olhares
Devaneios de um sujeito arrogante

A crença do amor em terras distantes
A crença  do amor em qualquer fotografia

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

É um quarto, não um corredor



Me fala de amor
Que matei um por um com punhados de flores

Mais fumo do que bebo
Assanho-me ao imaginar-te em meus cigarros

Inferno.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Uma brecha, dois tijolos


Vai, vai embora do mesmo jeito 
Vai num gole de chá, num maço de cigarro, 
na embriaguez de um vinho, 
na última maconha empacotada; 
no último fumo do dia. 
E não recusa. 
Não obriga.
Só olha.






segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A troca


E fez-se um sopro da boca de Deus
Fez-se o que tinha de ser feito

E as mãos eram do tamanho de uma rua
Sustentaram uma pobre infeliz

De cima chove, de cima cai fogo
E os olhos lacrimejam


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Gente ruim


Gente ruim não morre logo
Se exibe com três dentes na boca
Sorriso travado

Gente ruim faz mal até debaixo d'água
Na tua própria casa
No teu cochilo

Gente ruim não morre logo
Gente ruim padece.


quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Uma fada



Uma fada veio ao meu encontro
Dessas pálidas de cabelos amarelados

Disse-me para desejar algo
Desejei amor, um amor qualquer

Foram-se todas as estações do ano
Só o inverno ficou.



Bastava



Bastava
Uma gota d´água no mundo

Bastava
Um mar na cidade

Bastava
A gente chorar



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Tsc tsc tsc



Um vagão para uma rosa
Três doses de uísque para um amor
Rabo preso

Coração animado
Um sopro de carência
E gelo

Tsc tsc... 
A gente se engana fácil fácil


sábado, 12 de novembro de 2011

Ensaio




Não me importo que te beijem
o que eu quero não está em cima
não me importo que te lambuzem o corpo, 
 que te esfreguem a língua na cara 
não me importo que te arranquem os cabelos, 
 que te amordaçam o pescoço, 
 que te queimem com ferro quente 
não me importo se o coração não faz mais aquele prucutum todo
 já disse, o que quero não está em cima
 o que quero está embaixo!



sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Por que me olhas tanto?


o teu amor me enfada
me cutuca até os dedos do pé
por que me olhas tanto?
não sejas tão pão-duro, dá-me um pouco desse amor
dá-me beijos, ao invés de miradas
arregaça as minhas pernas
mata-me, mata-me em qualquer corredor!

e do teu olho direito petrificado, cor de legumes
eduzo que és a coisa mais linda desses olhos meus

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Entra sem bater


eu quero uma casinha coberta de palha
eu quero uma bicicleta pra enfiar a roda no mundo
eu quero um radiozinho sem pilha, reciclável
 com muita música para ausentar-me desse fuzuê 
e quero um terreno só meu
 sem nenhum tipo de flor
quero um medidor de terra
também quero um céu só meu
 sem estrelas, sem luar, sem fulgor
também quero viver, dar umas boas gargalhadas e viver
viver desacompanhadíssimo 
viver perambulando por aí
quem sabe eu não encontre um cão sem dono
 eu quis dizer, um outro cão sem dono
e não quero lápis, caneta e papel
não quero romances
não quero versos ou letreiros
não quero poetas, linguistas, gramáticos e gramatiqueiros
só quero piscar os olhos de relance
já me iludi o bastante
 ao ponto de não ter fé em coisas incertas
 de esbanjar-me folheando dicionários
eu só queria poder dizer: 
mais amo do que bebo
então, contristaria-me, não desceria do salto.



terça-feira, 8 de novembro de 2011

Desrealização


Quem sou eu pra te querer? 
Alma vagante, coração mesquinho, sou só um pobre coitado afeminado
Quando penso em ti, disponho-me a te amar em minhas mãos
Velejo em teu corpo, em cada brecha da tua pele amarelada
Tuas pernas, tuas entranhas, teus cabelos 
No teu rosto de macho, no teu sorriso abstruso
Não vês que estou definhando por amor?
Estou ganindo, estou uivando
Estou quase gozando
Não quero acender outro cigarro e ir pra casa 
eu quero me esbrasear contigo 
Não te quero por duas noites, por uma aguardente, por pura idealidade 
eu só te quero por um cigarro
Tua brasa rasga a garganta, penetra no peito, dissolve o coração 
A tua fumaceira é traiçoeira
Deixa um beijo chamejante, um suor aromático
Deixa um amor atroz; um amor dos infernos 
Eu te quero
Assim espero
Assim te (re)espero. 

domingo, 6 de novembro de 2011

Amor no toilete




Vamos fazer amor no toilete?
Lugar minúsculo para tanto alvoroço

Eu te pego no colo, te canto um blues
Abocanho o teu corpo, esmordaço o teu rosto

Te quero sem nada, sem meias, pés no chão
Te quero esfomeado

Amor intrometido



Um garoto não ama uma garota
É bizarro, a esbofeteia
Em palavras, docinhos e beijos

Um garoto não ama uma garota
É do mundo, é afoito
É arteiro perante ao padre  

Há um mito: o amor a si mesmo
Amor de barba e bigode, amor intrometido

sábado, 5 de novembro de 2011

Evidência


Triste de quem se apaixona!
Triste de quem acredita no tal amor!

Maravilho-me com a avidez das putas:
Aquelas que vivem por avenida afora
Abusam das gostosuras da carne e herdam algum trocado
Não queixam-se em prantos

Triste de quem acende um cigarro quando sente que o [coração está em brasa viva!



Menino de olhos verdes



Menino de olhos verdes
o que queres tu de mim?
Queres um beijo?
Ou um aconchego?


Menino de olhos verdes
o que queres tu de mim?
Assanhaste-me até os nervos
Já estranho-te por tanto cavalheirismo


Menino de olhos verdes
Junta os teus olhos aos meus
E dança comigo no embalo do entardecer
Beijai-me até onde não se deve.

Embaraço


Uma focinheira para a minha boca
Música sonora para os meus ouvidos
E flores ao entardecer
E pôr do sol 


Um lugar desabitado para as gostosuras
Aconchegando cada beijo apimentado
Um aceno ao entardecer
E pôr do sol


Pasta para os meus dentes
E lentes para os meus olhos
Uma mirada ao entardecer
E pôr do sol


E pôr do sol ao entardecer:
Teu olhar interesseiro
Um dos meus refrigeradores de coração.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Esmeraldino


Eu não sei se o que sinto é amor ou tesão
Não sei se este estrupício vem do coração


E ele tem um aspecto de leite
E ele é esmeraldino
Eu já nem sei mais qual cor me cai bem.

SóRrir



Arreganho a boca com simplicidade
Nos dias de hoje não se deve abjurar um sorriso


Tanta asneira sai da tua boca 
E ainda assim não se deve abjurar um sorriso


Rir do mundo
SóRrir de tudo que contém nele.



terça-feira, 1 de novembro de 2011

Robótica feminina


Vestem-se, bufam. Penteiam-se, bufam. Desvestem-se, despenteiam-se. Passam um batom; embelezam-se, elas ao menos cismam que estão belas; são umas sonhadoras... Depois, estão voltadas para a outra produção: lavam, passam, coziam e dormem. Seus homens são os semeadores da casa, movem-se de canto em canto; a mesa precisa está farta e o leite fresquinho. Após a janta, é hora de serem mimadas, esgarçadas; é a delícia de serem penetradas, é a saliva gotejando de suas bocas. Desforram os lençóis da cama, acordam no chão. No dia seguinte, já estão vestidas com outra roupagem, penteiam-se de outro penteado, passam um outro batom; não têm noção de como é duro estarem bonitas; não enamoram-se de sua própria beleza.

                         Logo, o homem projeta-se em dois: é o homem e é o pai, as mulheres são só as mucamas da casa.
  (grifo meu)

sábado, 29 de outubro de 2011

Em um mundo só meu



Nem todo mundo tem cheiro de balinha de hortelã, não é? Nem todo mundo é adocicado! Aqui, onde vivo, sinto-me bem. Essa gente toda deveria ser menos amatutada; a vida é demente. Os que transpiram são uns sujeitos animados e merecem lembrancinhas; vivem e comem bem. Em um mundo só meu, juntariam-se ricos e favelados, comeriam do mesmo pão, beberiam do mesmo refresco; alojariam-se em cada canto da cidade, no chão da minha cidade; e não tomariam banho, poupariam água. Nem todo mundo carece de um amor, nem todo mundo mendiga por um amor. Uns carecem só de um beijo, outros de um abraço; alguns veneram o sexo, o recriam. Ora, nem todo mundo possui um cartão de crédito...


Em um mundo só meu, seríamos revendedores autorizados de corações; distribuidores de entranhas.
(grifo meu)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Quer um cigarro?


Está chovendo, Dona Maria! Quer um cigarro? Senta aí e fuma comigo! Vamos nos aquecer um pouquinho! Anime-se, Dona Maria! Temos um só cigarro para nos afoguear a garganta; abjuração das heresias. Não me peça mais que um, você está velhinha, não conseguirá deglutir essa fumaceira toda! Acenda logo, Dona Maria! Não se preocupe com a chuva, não arrenegue as coisas do Criador, só acabe de fumar o cigarrinho e o passe para mim. Sente-se bem? Que suavidade, não? Farejando os dedos, por quê? Não sente-se banhada? Acabamos de descobrir uma nova fragrância; deixemos os nossos parfurms de lado! Está tossindo? Dona Maria, não está indo ao médico? Quando ficamos um pouco velho, além dos cabelos brancos e da pele enrugada, não sei quem nos traz tantas indisposições. Eu fumo a um ano, mas às vezes, quando sinto-me distanciado dos bichos. Parou de chover, Dona Maria, vá pra casa! Eu vou ficar por aqui, sinto-me lerdo. 

Está uma soalheira danada, Dona Maria! Quer um cigarro? Senta aí e fuma comigo! Dona Maria?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Ema


Em todos os lugares que iam-se, Ema estava lá. Nos covis, nas esquinas, nos becos, nas dobras, nos milhares de banquinhos de praça em concreto, espalhados pela redondeza da cidade. A garota era esfomeada. Cabelos secos, tingidos de um vermelho que lembrava-me pitanga; olhos verdes, raros de se encontrar em uma menina dessas qualquer. E o que mais me chamou atenção foram suas unhas, cada uma pintada de uma cor diferente: havia o azul, o amarelo, o laranja, o preto e o cinza. Diziam por aí que ela tinha quinze, mas confirmou-me ter vinte e três e três meses. Morava só, em um vão enroupado de pôsteres, desses que se veem em filmes de terror. Acordava às quatro da manhã, sentava-se no chão, bebia um gole d'água barrenta, triturava algum pão duro e velho, vestia-se e estava de bem com a vida. Todos os dias era assim, de domingo a domingo. Ao menos sentia-se melhor do que eu, nos olhamos discretamente. Depois do ritual, Ema direcionava-se para uma de suas ruas, não tinha saciado seu apetite de forma saudável, não tinha enchido a pança totalmente. Corria, porque se perdesse alguns minutos, poderia voltar esganada, ainda com fome. Exatamente às cinco e meia da manhã, havia uma negociação lá fora, a burguesia entrava em festa: uns eram desengonçados, de pernas tortas, barrigas arredondadas, dentes apodrecidos e outros até que eram engraçados, perfumados, com encanto e dinheiro. Ema disse-me uma vez que sentia uma fome voraz, mas controlável, por os desengonçados: os que se iludem rapidamente, os que nos oferecem bebidas; os que adormecem feito princesas, sob efeito de comprimidos. Posta ali de pé, pacientemente, a infeliz esperava por qualquer um. E era de se estranhar a venda da genitália pela manhã: as avenidas faziam um frio danado, poucos veículos circulavam por ali. De vez em quando, paravam alguns carros, na maioria das vezes bicicletas, caminhões, charretes, e ainda tinham aqueles que vinham a pé, só com o trocadinho no bolso. Ema era moça vivida, moça de truques, moça de máfias. Suas curvas custavam quinze, eram quase de graça. Noutras vezes, custaram dezessete, vinte, trinta e cinco, e quando eram dias de bençãos, custavam quase cinquenta. Não cobrava por hora, cobrava até onde estivesse afim. Era só um aperto de mão e as coisas estavam resolvidas, não precisava assinar nada. Não satisfazia-se com outras garotas, sentia-se acanhada em ter que beijá-las, em ter que abusar da sua própria feminilidade. Quando umas ofereciam um pouco mais do que os homens, ela não pensava duas vezes. E neste rebuliço todo, via-se, sentia-se e fazia-se de tudo. E teve vezes em que Ema vendeu-se por alimentos, por cigarros, goles de um bom vinho, por alguns pôsteres, por alguns cochilos em residências alheias, por centavos de crianças que estavam na puberdade, até mesmo por nada. A vendedora fazia questão de aventurar-se com homens da metrópole; os que desembolsavam um pouco mais, os que gozavam da ruiva enquanto arruinavam-se. Não importava-se com preservativos, tinha sorte de sobra. E só assim teria mais água e pão, mais solidariedade. Enganava a si mesmo e a seu coraçãozinho execrado, faminto de amor, não de paixão. Mas, de que lhe adianta o amor, se o amor não lhe traz nenhum vintém?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Em qualquer outro corredor



Quando o vi, já era o mesmo: malandro, com os pés enfiados no chão. Deixei os costumes de lado, já tragava um cigarro de leve, somente para agasalhar o pulmão. Vasculhava a casa, escancarava as janelas, eu o sentia em qualquer brecha, nos desvios. Quando o vi, um beijo parecia-me hortelã, suas mãos arrancavam-me os cabelos, fio a fio. Acordávamos às seis, a caçoada lá fora: inclinavam-se as cabeças, os rostos franzidos, todos sobre nós. Quando o vi, aprendi a descer as escadas apressadamente, mas ainda com os pés enfiados no chão. Ainda o vejo, já cansei de o ver, já não aturo olhares. Olhar esbraseado, olhar incerto, olhar de macho. Entranhas afeminadas. E perguntam-me quem é o sujeito de quem tanto escrevo...


Só um segundo...






Tive que descer as escadas.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Um "eu te amo"


Um "eu te amo" tem que ser esmiuçado. Um "eu te amo" é belo, mesmo quando se diz com pouco amor. Os sentidos entram na folia da conturbação da vida. E os que se prendem por não amar são uns débeis, são uns esquisitos; afeminados por pensarem que o amor é coisa de mulher. Um "eu te amo" não cita quem quer, vai lá e reside no teu coração, na tua alma. Um "eu te amo" é válido para qualquer ser, qualquer animal; para os que possuem riqueza, para os que andam descalços, para os sábios, para os abestalhados; para os que distorcem o fluxo da vida. Um "eu te amo" não tem dono; é de graça, não faz questão de um centavo teu. Um "eu te amo" é vira-lata, é vagabundo; te espera em qualquer esquina, caminha contigo sem contar as horas. Um "eu te amo" é assim: "beijo, me liga!"; é quando alguém nos beija, é quando alguém quer ouvir a nossa voz por mais uma vez. Um "eu te amo" nos abriga, como uma música. Mas, um "eu te amo" também nos aborrece; nos alfineta, nos assassina; nos ressuscita. E é por essas e outras que dedico-me ao amor, que tenho fome de amar!

"O amor é feito o primeiro gole de um vinho: você regurgita de primeira e esvazia cinco garrafas na segunda."
(grifo meu)

sábado, 15 de outubro de 2011

Cisma


O que é a morte? Meus caros amigos cientistas e estudiosos não conseguiram definí-la por inteiro. Sempre falta algo, até nos dicionários que encontrei jogados aqui em casa. O que é morrer? Morrer? Morrer e ir aonde? Ou melhor, morrer e ir pra onde? Quanto tempo se leva até tudo se tornar mais árduo? Se morrer for bom, que os defuntos os digam! Tantos já se foram, tantos ainda estão aqui. Ouvi dizer que morrer é a única certeza que temos desta vida. Mas, e a vida eterna? É pós-morte? Às vezes, sinto-me incapaz de entender coisas tão claras. Então, te pergunto mais uma vez: o que é a morte? Nossa alma padece por aí quando morremos? E aqueles que nem alma têm? E aqueles que não sentem nada? Pra onde vão? Pra onde vão as sementes ruins da Terra? E os covardes sem amor, sem vontade de amar? E os que são feito eu? E os que sentem o que eu sinto? Não valem nada? Vejo muitos que morrem sem merecer, vejo muitos que sofrem sem merecer. Por que não morrem os que praticam injustiça? Por que não morrem os que estão contra Deus? Dá-se outra chance, e mais outra, e mais outra, até que não se reste mais nada, nada mesmo. Nada. Não se preocupe, você vai morrer um dia. Não terei a chance de te encontrar depois de morrer, ficarei sem saber o que se passa do mesmo jeito. Também não quero morrer agora, preciso abusar da vida. Eu sou um sujeito legal. Até agora nunca fiz uma boa ação, mas ainda sou um sujeito legal. Ainda quero juntar meus trapos dentro de uma mochila e sair por aí afora, quero conhecer o mundo. E nada mais, mais ninguém. Imagino-me morrendo antes dos sessenta, não desejo ultrapassar o tempo. Não quero morrer um velho nojento incapaz de subir algumas escadas, de fumar um cigarro, de ver ao longe; de subir num ônibus sem assistência, de ingerir bastante sal, bastante açúcar. E quem determina as coisas? Quem tem o poder? Deus! Sabe, Deus tá de mal comigo, estamos brigados. Estou sempre fazendo travessuras. Seria muito pedir para morrer? E que seja tudo escuro após a morte, que as coisas não se separem, que se acabem ali mesmo. Que não haja inferno ou qualquer outra coisa que me deixe pior do que estou. Porque eu não tenho medo da morte. É que ainda me falta coragem e disposição para tal questão...


Então, fiz uma micro lista das cinco coisas que apreciarei antes de morrer, antes dos meus sessenta:


1) as luzes do polar;
2) um natal em Nova Iorque, acobertado de neve;
3) um fim de semana nas florestas mais belas desse mundo;
4) o apocalipse de Seu João;
5) o amor.