quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Ninguém lembra de Deus



Ninguém lembra de Deus quando tá feliz
Quando recebe um bom dia de algum velhinho
Ou quando tá de mãos dadas com um outro alguém


Ninguém lembra de Deus quando ri
Quando a mesa tá farta em casa; família em festa
Ou naquele beijinho suave antes de dormir


Ninguém lembra de Deus na rua
Nas compras, na esquina, na calçada
Nos fiteiros, nas travessias, nos ônibus

Ninguém lembra de Deus nas rosas
Nas montanhas, nos bosques, nos campos
Definitivamente, ninguém lembra de Deus


Culpam Deus se tá frio, se tá calor
se não têm dinheiro, se o filho morre, 
se o pai se mata, se fulano rouba
se sicrano dá um tiro em beltrano
se chove nos dias de praia


Mas pensam que Deus não tem olho
nem boca, nem ouvido, nem mão
Pensam que Deus vive dormindo...


É que só lembram de Deus na fase terminal.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Ambição


Levanto-me da cama maravilhado, com um bom humor. Há algo de sedutor lá fora. Há algo! Escancaro a janela e contemplo a paisagem: neve. É inverno! Eu disse puro inverno mesmo... Mas como? Onde já se viu nevar em Recife? Minha cidade sempre foi a mais inativa de todas... Como? O branco cobriu o que era cinza; o branco se fez colorido; o branco se fez uma só cor: o legítimo branco. E, com tantas outras cidades lá fora, a minha (justamente), tornou-se bem à vista, por conta dos floquinhos de neve. Eu não quis sair dali, não quis ausentar-me por nada deste mundo, do outro. Porque nunca se sabe quando as coisas são reais. Árvores enroupadas da sustentabilidade de Deus, os telhados também; os alçapões, as escadas; os ponto de ônibus, as ladeiras; até as favelas tornaram-se essenciais à vista. Os pobres tinham o direito de fazer festa naquelas horinhas. Os pobres feito eu. E como é de costume, foram queimar carne na brasa... Acenderam fogueiras. Não! Estavam enxotando o inverno dali; estavam mais preocupados com si próprios do que com o que acontecia lá fora. Derreteu-se o gelo em frente à minha casa; derreteu-se as árvores, os telhados, os alçapões, as escadas, os pontos de ônibus, as ladeiras, as favelas, os pobres. Me espantei com a malícia do ser humano. Deitei. Deitei para um outro dia esquentado, sem neve. E quando amanheceu, tinham esquecido de derreter um troço: o meu coração.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Gente



Eu gosto de gente afoita
Eu gosto de gente abestalhada
Gosto de quem se auto-agride por amor
De quem é caçoísta


Eu gosto de gente enraivecida
Eu gosto de gente envenenada
Gosto de quem joga sem regras
De quem é igual


Gosto de gente esquisita
Daquelas que não penteiam os cabelos
De gente acorrentada
De quem anda à pé


Gosto de gente que é gente
De bicho que é gente
Da gente.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Domingo, segunda, domingo, segunda, domingo...


"Agosto e domingo, eu quero que vocês desapareçam!" (Isabella Soares)


Os domingos são sempre os mesmos: abonançados; não venta, não há um pingo de chuva. Queria poder retirá-los de meus calendários: os domingos, as segundas; e os dias pausados. No fim da esquina tem gente: gente indolente. Não movem-se; não movem sequer o dedão do pé. Porque as carências me vêm aos domingos, os alvoroços me vêm aos domingos; as desgraças, as inquietações; as questões de um outro alguém; as ânsias. Faz-se um desmazelo só; o domingo é irmão da segunda. E se o amor não me vem por um outro dia qualquer, por quê me viria em um fim de semana? Domingo não é dia santo.


xxx



sábado, 17 de setembro de 2011

Seu João


Acordei ofegante... Antes disso tudo, fez-se um clarão no céu; um agrupamento de cores. E correram... Correram mil para um lado, mil para o outro; sem direção, sem sensibilidade. Uns eram brancos, uns eram negros; uns amarelos, outros vermelhos. Sabe-se que ninguém é ninguém mesmo... Desabituaram-se dos seus dias de festas; dos seus dias da carne. E, apreciaram as cores: seres estagnados; uns nus, uns mulambentos; outros feitos de ouro; eram diamantes vermelhos. Uma multidão linguística; repugnância das almas. Tesouros ali não possuíam; tampouco sabiam do que era feito um tesouro. Tolerantes eram os que estavam ali, esperando por algo - ou alguém - maricas, desvairados. Abriram-se as páginas; abriram-se as palavras, os corações; e fez-se um ruído, um ruído intragável. E um dedo fez-se a julgar. E um dedo fez-se a proferir. Quem eram aqueles que estavam ali agora? Uns mendicantes; outros miseráveis. Trouxeram-me para cá: outro mundo; outra gente, outra essência. É que só cabe-me selecionar o que quero sentir.



sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Agasalho



Três dias que não o vejo. Três dias que não o sinto. Parece-me primavera... Quanta quietação! Sinto-me atordoado: mente vaga, coração rebelde; coisinhas abrolhosas. Carrego comigo linhas miúdas. As enfeito de doidice: doidice minhas. Passeio a pé pela casa: madeira cava, barroco borrado, talheres empoeirados; linho fino encardido no chão. Sento-me: espírito inerte. Deito-me: ambiente abafadiço. Cobriram as janelas com cimento. Como fazer para remover cimento de janelas? Já sinto falta da brisa, do clarão lá fora... Três dias. Quantos dias? Lá estou eu, longânime; com a mesma aptidão para as ciências... Com pouco amor, ele se foi. Me deixou só... Quer dizer, eu e o colchão...

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

E tem como não gostar?



Poderíamos agir como se não fôssemos duas crianças, dois seres imaturos, estúpidos, imbecis? Se a vida é banal, o que temos a ver com isso? A gente não tá aqui pra sempre mesmo... Ou tá? E, se tudo é passageiro, por quê o que eu sinto nunca passa, nunca vai embora? Nunca quis sentir nada, nunca quis provar nada. Poderíamos acabar com isso tudo de uma só vez sem chororô, sem drama, sem trágedia, sem sentimento? Ou poderíamos nem nos dar algumas palavras? Poderíamos ser as palavras? Quantas páginas escreveríamos? Se houvesse páginas, qual seria a história? Sim, eu estou bem. Sinceramente, estou muitíssimo bem. Só estou me ausentando de algumas coisinhas subversivas... Isso tudo é muito pra você? Qual a noção do muito pra você? O que é muito pra quem sempre tem pouco? Ou melhor, quando você quis dar muito? Canções, palavras ensaiadas, gestos atrevidos, flores pela manhã, biscoitinhos ao entardecer, mãos dadas, chicletes mastigados, corridas por avenida afora, chuva, sorrisos... O que é isso tudo que não quero sentir? O que somos? Quantos lados ainda existem? Qual o teu lado? Dá pra sair do meu? 

xxx

domingo, 11 de setembro de 2011

Onze do nove


Morreram na mais alta torre do mundo... 
E foram-se, castos ou não, para o lugar mais alto do mundo...

sábado, 10 de setembro de 2011

Ao léu


Vago por aí como quem não tem um lugar definido. Sinceramente, fico atordoado com as coisas do coração. Que membro mais teimoso! Se tenho algo, esse algo vai embora rapidinho. E, se te tenho, te tenho por poucos instantes. Te tenho por segundos. Às vezes te tenho aqui. Às vezes te tenho ali. Nas outras vezes, nem sinto o teu cheiro; a fragrância da tua boca. Se te gosto, me vem os maus olhares. Se te amo, me vem o amor, e te desprega de mim. E, se te espero, me falta tudo.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

É diferente das outras coisas



Discretamente, eu não me importo com as coisas do mundo. E por pensar assim, acabo consumindo muita vida. Cismo que não há nada de apetitoso e pronto. A única coisa que me aquieta é saber que existem muitos deuses, mas sempre me prostro diante de um só: o Deus vivo. Engraçado é que nem sei de onde Ele veio, em qual cidadezinha deve viver... Não sei também de muita coisa sobre fé, arrependimento, mandamentos escritos. Não acendo vela pra ninguém. Pra quê tanto fogo? O do inferno já não flameja o suficiente? Quando algum parente meu morre, eu fico tranquilo. Eu até solto gargalhadas em enterros. Se morrer for bom, quem me dera morrer agora, depois dessas linhas, é claro. Espero ir para um lugar menos conturbado, mais amplo, mais nublado. A morte não me abala. Se vinhesse ao meu encontro, teria a certeza de que as pessoas viveriam as mesmas coisas de sempre: café com leite, passeios na orla e cafuné ao meio-dia. 


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Finado eu





Deixa esse mundo acabar mesmo!
Eu quero é sentir o gostinho de terra em meus lábios
Contemplaria eu outra maldade?


Que vício feio de tentar entender o mundo, ora
Deixa tudo como está!
Se tudo está assim é porque nasceu assim
Deixa esse mundo acabar mesmo!


Sou uma igreja sem ninho, sou um sem vida
Depois disso vem mais nada
Certas coisas não se extinguem tão rápido assim


Parei ali (porta fechada)
Parei aqui (porta fechada)
Trancam-se as portas, não deixam-me entrar
Porque eu tenho pressa


Então disseram-me:
 "Se é pra tá desse jeito, é melhor bater as botas de uma vez"



E quando eu morri disseram:
 "Ei-lo ali, apodrecido, exausto"

E pra onde eu fui disseram:
 "Estás limpo, de corpo e alma"



sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Subjetividade de um cotidiano poetizado



Mãos ao alto!
Apropriaram-se de minha felicidade...


Já não recebo cartas, já não agasalho-me durante a friagem...
Já não alimento-me bem... Sinto-me fraco em matéria e em sentimento...
Já não banho-me de água potável... Banho-me de lágrimas...

Já não sinto-me contente... 
Tudo se foi, tudo é sem volta...


Não peça-me para ser mais casto do que estou sendo....
Já não iludo-me com sorrisos... Eu os rejeito, eu os prendo...
Qualquer um que for omiso irá me entender perfeitamente.

E já não trago mais cigarros nem docinhos dentro de minha bolsa...