sábado, 14 de maio de 2011

O primeiro beijo assombrado

Eram momentos inexplicáveis.
Eu poderia respirar o amor.
Levei-o para detrás de uma casa abandonada que ficava depois do rio.
A casa era velha, feia e um pouco assombrada. Em sua volta, o vento ainda insistia em levar embora aqueles momentos presentes com sua brisa gentil e suave.
Mas nada nos manteria fora do controle. Tudo parecia ser único: eu, ele, a casa, o vento e a escuridão. Porque luz não havia ali. Quer dizer, somente a luz do que sentíamos, a nossa verdadeira relação, o nosso conforto.
E foi ali, detrás da casa velha, feia e um pouco assombrada que sentamos juntos e nos encaramos por alguns instantes. Poderíamos ouvir alguns pássaros cantarolando...


– Bem...  comecei.  Sei que esse não é um bom momento para um primeiro beijo, mas, me sinto preparado. Um pouco preparado.  Suspirei.
 Um pouco? - perguntou-me, cautelosamente.  Eu imaginava que você fosse me levar para um hotel ou algo do tipo assim.  risos. Eu poderia ver algo malicioso em seu olhar.
Ele colocou sua mão em meu ombro e sussurrou palavras de alívio:
 Mas, relaxe. Tudo está indo bem. Eu estou aqui, não estou?  Isso me parecia uma afirmativa.
Ele sorriu, eu sorri.
 Esse lugar me parece confortável. – contra-ataquei.  Eu gosto de lugares isolados, que me deixam sem contato com o mundo. Além do mais, ninguém pode nos ver aqui.  Coloquei minha mão em seu rosto e a deixei deslizar até não sentir mais nada.  Estamos sós.
Ele apertou minha mão. A mesma mão que pus em seu rosto.
Apertou. E parecia não querer soltar. Que aperto! Que gesto mais lindo!

 Eu...  disse-me pausadamente.

Bom, eu esperava um “Eu te amo”, “Eu te quero” ou qualquer coisa relacionada ao “Eu te”. Mas não foi nada disso.  Quando me vejo diante desses momentos, sempre acontece o contrário do que eu quero que aconteça.

 Eu quero te pedir uma coisa.  continuou.  Sei que vai soar estranho, mas tenho que admitir...


 Peça! Peça! – apressei-o, curioso.
Curiosidade é de fato, um dos meus piores defeitos.
 Como você já sabe, eu nunca transei com um homem.  disse-me cautelosamente.  E não quero que minha primeira relação amorosa seja aqui, se é que você me entende.  Depois de palavras, respirou fundo e voltou a ser aquele carinha tímido, inocente.

Que coincidência! Eu pensei que ele iria me chamar pra transar ali mesmo.
E isso me trouxe uma paz, uma quietude na alma.

 Eu não te chamei aqui pra isso.  finalizei.
 Me desculpe.  murmurou ele.
 É normal caras como você pensar em transar em ocasiões como esta.  eu disse.  É só trazer pro escuro que vão logo pensando em abrir o zíper e pôr o pau pra fora.
Ele apenas balançou a cabeça e sorriu. Não disse nada.

Enquanto estávamos sentados, o frio parecia nos tomar aos poucos. E que azar o nosso! Não estávamos agasalhados, não tínhamos nada que nos esquentasse. A ideia de ir buscar algo pra fazer uma pequena fogueira foi descartada. Eu não queria nada parecido com os filmes. Nada de beijos à luz de fogueira, nada de coisas românticas. Queria apenas o simples.
Então, com frio, nos abraçamos. Não nos abraçamos forte porque era um frio suportável. Mas mesmo assim, sentimos o calor de nossos corpos ao se juntarem.

 E aí?  ele tomou a iniciativa.
 E aí o que?  fingi que não tinha entendido.
 O que devemos fazer a seguir?  perguntou-me.
 Não sei.  fingi outra vez.
 Eu deveria te...  sussurrou. Sua mão agora estava em meu pescoço.  ...pegar assim...  Eu poderia ver seu rosto mais próximo de mim. Não queria fechar os olhos, não queria perder aquele momento.  ...e te... – Mais perto, mais perto.  Fechei os meus olhos. Agora eu poderia sentir sua respiração, seu bafo delicioso de Trident e seus lábios quase beijando os meus.  beijar?  quase não falou. Concluiu. E com um beijo. 

Nos beijamos, finalmente. Deveria ter um coro da "Aleluia" do Handel, cantando o tão esperado "Aleluia! Aleluia! Aleluia!", prestigiando-nos naquele momento. Nossos lábios estavam em sintonia total e nossos músculos labiais correspondendo-nos com seu trabalho. Eu quis abrir os olhos, mas preferi ter a imaginação daquilo tudo em minha mente. E que imaginação! Eu nunca iria imaginar que ele tomaria a iniciativa de me beijar. Sempre pensei que se fosse por ele, eu iria ficar ali, boiando, à espera de um beijo. Nunca entendi esses pensamentos machistas, ex-Heteros.
Abracei-o enquanto eu o beijava. E bem forte. Pra ter a certeza de que ele não iria embora, pra o ter mais perto de mim. E ele correspondeu ao meu abraço.
Beijos, abraços. Por segundos, pensei que aquilo tudo não passava de um sonho. Um sonho distante. Me enganei. E feio.
Nos beijamos por uns dois ou mais minutos.
Sim, eu contei em mente.
E agora, eu pude sentir os nossos lábios separando-se um do outro, com calamidade. E sentimento. Voltamos ao início, sentados ali, sem mãos apertadas, sem olhares fixos e sem o frio. O frio nos ajudou a nos aproximarmos um do outro somente para essa ocasião especial:
o beijo. E, como sempre, ele interrompeu o silêncio com suas questões indestrutíveis:

 O que sentiu?
 Seu Trident sabor menta.  eu ri.
 Além disso... – ele também sorriu e insistiu.
– Senti tudo que nunca senti por um garoto. – confessei. – Senti o mundo distante, senti você me amando... 
 e não parei.  Senti meu coração bater mais forte enquanto eu estava de olhos fechados.  e concluí.

Ali foi uma verdadeira declaração de amor. Talvez eu tivesse me apressado demais. Mas é melhor nos  expressarmos quando achamos que é a hora certa. Eu disse “achamos”. Eu esperava uma resposta, mas ele não disse nada. É normal um ex-Hetero me aparecer com essa reação. Definitivamente, pra ele, isso foi algo perturbador, demoníaco, algo extremamente conturbado, fora do comum. Qualquer resposta seria válida para mim, a não ser essa:

 Legal.
 Achou? – perguntei. Eu entendi sua resposta.
– Sim. Gostei mesmo. Falo sério. – respondeu-me.

Esse “Gostei MESMO. Falo SÉRIOé algo novo pra mim. Uma mudança, quem sabe? 

Continua...

OBSERVAÇÃO:
- O primeiro beijo assombrado é o IV capítulo que faz parte de um conto feito por mim.



Um comentário: