sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Ambição


Levanto-me da cama maravilhado, com um bom humor. Há algo de sedutor lá fora. Há algo! Escancaro a janela e contemplo a paisagem: neve. É inverno! Eu disse puro inverno mesmo... Mas como? Onde já se viu nevar em Recife? Minha cidade sempre foi a mais inativa de todas... Como? O branco cobriu o que era cinza; o branco se fez colorido; o branco se fez uma só cor: o legítimo branco. E, com tantas outras cidades lá fora, a minha (justamente), tornou-se bem à vista, por conta dos floquinhos de neve. Eu não quis sair dali, não quis ausentar-me por nada deste mundo, do outro. Porque nunca se sabe quando as coisas são reais. Árvores enroupadas da sustentabilidade de Deus, os telhados também; os alçapões, as escadas; os ponto de ônibus, as ladeiras; até as favelas tornaram-se essenciais à vista. Os pobres tinham o direito de fazer festa naquelas horinhas. Os pobres feito eu. E como é de costume, foram queimar carne na brasa... Acenderam fogueiras. Não! Estavam enxotando o inverno dali; estavam mais preocupados com si próprios do que com o que acontecia lá fora. Derreteu-se o gelo em frente à minha casa; derreteu-se as árvores, os telhados, os alçapões, as escadas, os pontos de ônibus, as ladeiras, as favelas, os pobres. Me espantei com a malícia do ser humano. Deitei. Deitei para um outro dia esquentado, sem neve. E quando amanheceu, tinham esquecido de derreter um troço: o meu coração.

3 comentários:

  1. Derrete-se tudo! A neve, as lágrimas, a dor, a felicidade.. Exceto o coração de um grande poeta, como és tu!
    Muito belo, parabéns.

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  2. Não diga um absurdo desse! kkk
    Não amas agora, mas um dia, amarás!
    É o ciclo. É da vida!

    PS: e irás gostar.

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  3. Que texto excelente! Adorei a criatividade. Pude imaginar Recife inteira coberta de neve. Está muito bem escrito. Faço votos que alguém, em breve, consiga descongelar esse coração...

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