sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Das coisas que eu sinto falta


Sinto falta do ar fresco lá fora. E aqui dentro também. Sinto falta do sorveteiro que passava às quarto da tarde gritando "olha o sorvete! olha o sorvete!", e a meninada voraz, quase deixando a carrocinha de pernas pro ar. Sinto falta do parquinho atrás do meu quintal, o verdinho que sobrara do mundo. Tínhamos acesso livre à diversão, à coisas que costumávamos fazer e dizer quando meninos. Sinto falta daquele velho sofá onde espreguiçava-me, onde não existia dor alguma; onde as horas eram regulares. Os meus pés repousavam, mas já prontos para mais uma andada naquele chão esquentado por ruas afora, sem direção. Sinto falta da chuva que molhava meu telhado velho e furado, despertando-me dos meus piores pesadelos, com gotinhas congelantes que me enfraqueciam os ossos. Sinto falta dos dias em que estudava, dos dias em que a matemática me enlouquecia; das minhas professoras velhinhas e sábias, aquelas que descarregavam total confiança em mim e diziam "vai! vai em frente que você tem jeito!". Sinto falta também dos amigos de infância, dos quais me abraçavam apertado na hora da fome, na hora de compartilharmos as lancheiras - os do colégio. Já indo pro lado familiar, sinto falta de um diálogo justo entre eu e meu querido pai. Sinto falta de estarmos juntos em datas comemorativas ou não, em lugares enjoados ou não. Eu sinto falta do que éramos antes de tudo ficar às avessas. E sinto falta dos meus cachorrinhos de estimação: meus irmãos. Cada um se foi de um jeito diferente. Mas foram embora de qualquer jeito. Eram tempos bons. Eram tempos incomparáveis. E ainda tem aquela imensa falta de um amor, de um beijo de amor, de um momento de amor. Aquela falta de uma saída ao cinema de mãos dadas, observando cada gesto, conservando cada palavra; aquele amor à cobertas, aquele calor entre dois corpos, os gemidos, a maturidade em ação. Sinto falta de muitas coisas, eu sei. Se o tempo rastejasse, juro que relataria todas as outras coisas que sinto falta. Então, acho que até aqui é o suficiente. Desisti de forçar a visão para tentar ver as coisas do meu jeito, do meu único jeito. Estou precisando de um oculista. É urgente! Sinto falta de viver.

2 comentários:

  1. Lindo d+++
    Amei S2

    *Priscila Brito

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  2. Gostei. Você está se aventurando em novas formas de escrever. Também tenho carência do que você relatou. Gostei da tag "cotidiano poetizado". Deu vontade de fazer um zine com esse nome. ;p

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