quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Dois velhinos



Eram dois velhinhos. Um caindo aos pedaços: olhar morto, barba crescida, dentes amarelados, pele enrugada e descaída. Já não conseguia subir escadas nem torcer o pescoço. Tudo doía. Até viver... O outro sempre animado, sorrindo, saudável, de mãos pra o alto, de mãos para o mundo. Não sofria de cegueira nem se importava com sua aparência; não se olhava no espelho com frequência; não tinha nada a temer. Eram da mesma idade, eram do mesmo bairro, residiam no mesmo espaço. Mas não sentiam as mesmas coisas. Um era alto, o outro baixo. Um magro, outro gordo. Um era calvo, o outro tinha cabelo de sobra. Um era nojento, o outro se banhava duas vezes ao dia. Um cantava, o outro era tranquilo; quase não falava. Em um dia qualquer, sentado em um desses bancos de praça por aí, com um cigarro aceso na mão, o velhinho tentava entender a vida, como todos nós. Observava as crianças brincando, os interesses do ser humano. Então, tudo voltava a ser como era antes: fácil. Por sorte, o outro velho sentou-se no mesmo banco, ao lado de sua sombra. "Sabe, essa vida é medonha pra me deixar doido. Tô ficando velho e não soube viver o bastante... Tenho medo de morrer agora, aqui." "Deixa de conversa, meu senhor! Tá tentando usar a morte como desculpa para os problemas? Nunca se sabe quando vai morrer..." "Gostaria de saber... Só assim saberia controlar a vida." "Não!" "Tô aqui morrendo aos poucos... Olha pra mim! O que você tá vendo? Só um velho feio, sem dente, sem amor. Um velho feio!" "Cada um tem sua beleza própria. Não precisamos nos questionar sobre isso. É banal." "Você diz isso porque tá aí lindão e gostosão, perfumado, dando uma de sabichão." "Meu caro velho, a gente não escolhe onde viver. A vida nos presenteia do jeito que ela quer." "Quer dizer que posso mudar?" "Claro! Ainda vives! Enquanto vivemos, escolhemos o que queremos e pronto! Mas cuidado com as consequências..." "Mas sou pobre." "Eu também sou pobre. Não possuo riqueza alguma nessa Terra. Sou pobre e humilde." "Ah,  fala sério, velho! Você não tem cara de gente pobre." "Nem tudo que se parece é." O velho não respondeu mais nada. Levantou-se e foi embora. Não disse mais nada. O outro tava ali, tentando entender o que era aquilo. Como as coisas são absurdas! E por muitos e muitos dias, o velho sentou-se no mesmo banco, mas não encontrou sua sombra. Voltava pra casa cabisbaixo, sentindo-se o mais pobre e desgraçado homem no mundo. Vagou, vagou por muito tempo. E um dia, fez-se um clarão no céu e o levou.

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