quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Ema


Em todos os lugares que iam-se, Ema estava lá. Nos covis, nas esquinas, nos becos, nas dobras, nos milhares de banquinhos de praça em concreto, espalhados pela redondeza da cidade. A garota era esfomeada. Cabelos secos, tingidos de um vermelho que lembrava-me pitanga; olhos verdes, raros de se encontrar em uma menina dessas qualquer. E o que mais me chamou atenção foram suas unhas, cada uma pintada de uma cor diferente: havia o azul, o amarelo, o laranja, o preto e o cinza. Diziam por aí que ela tinha quinze, mas confirmou-me ter vinte e três e três meses. Morava só, em um vão enroupado de pôsteres, desses que se veem em filmes de terror. Acordava às quatro da manhã, sentava-se no chão, bebia um gole d'água barrenta, triturava algum pão duro e velho, vestia-se e estava de bem com a vida. Todos os dias era assim, de domingo a domingo. Ao menos sentia-se melhor do que eu, nos olhamos discretamente. Depois do ritual, Ema direcionava-se para uma de suas ruas, não tinha saciado seu apetite de forma saudável, não tinha enchido a pança totalmente. Corria, porque se perdesse alguns minutos, poderia voltar esganada, ainda com fome. Exatamente às cinco e meia da manhã, havia uma negociação lá fora, a burguesia entrava em festa: uns eram desengonçados, de pernas tortas, barrigas arredondadas, dentes apodrecidos e outros até que eram engraçados, perfumados, com encanto e dinheiro. Ema disse-me uma vez que sentia uma fome voraz, mas controlável, por os desengonçados: os que se iludem rapidamente, os que nos oferecem bebidas; os que adormecem feito princesas, sob efeito de comprimidos. Posta ali de pé, pacientemente, a infeliz esperava por qualquer um. E era de se estranhar a venda da genitália pela manhã: as avenidas faziam um frio danado, poucos veículos circulavam por ali. De vez em quando, paravam alguns carros, na maioria das vezes bicicletas, caminhões, charretes, e ainda tinham aqueles que vinham a pé, só com o trocadinho no bolso. Ema era moça vivida, moça de truques, moça de máfias. Suas curvas custavam quinze, eram quase de graça. Noutras vezes, custaram dezessete, vinte, trinta e cinco, e quando eram dias de bençãos, custavam quase cinquenta. Não cobrava por hora, cobrava até onde estivesse afim. Era só um aperto de mão e as coisas estavam resolvidas, não precisava assinar nada. Não satisfazia-se com outras garotas, sentia-se acanhada em ter que beijá-las, em ter que abusar da sua própria feminilidade. Quando umas ofereciam um pouco mais do que os homens, ela não pensava duas vezes. E neste rebuliço todo, via-se, sentia-se e fazia-se de tudo. E teve vezes em que Ema vendeu-se por alimentos, por cigarros, goles de um bom vinho, por alguns pôsteres, por alguns cochilos em residências alheias, por centavos de crianças que estavam na puberdade, até mesmo por nada. A vendedora fazia questão de aventurar-se com homens da metrópole; os que desembolsavam um pouco mais, os que gozavam da ruiva enquanto arruinavam-se. Não importava-se com preservativos, tinha sorte de sobra. E só assim teria mais água e pão, mais solidariedade. Enganava a si mesmo e a seu coraçãozinho execrado, faminto de amor, não de paixão. Mas, de que lhe adianta o amor, se o amor não lhe traz nenhum vintém?

2 comentários:

  1. Botou pra fuder!! #sorry.

    #leeoLopes;

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  2. du caramba simplesmente um texto bastante complexo que fala de uma jovem menina que alem dos seus defeitos de seus princípios, faz o que bem entende sem ter medo de ser o que ele e!! adoreii

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